quinta-feira, 25 de julho de 2013

saudade

já me vejo
em fotografias antigas
tiradas hoje.
As meninas a rir
das roupas que eu usava
nas fotos.
O digital melancólico
num trem pro norte:
você passa e a
paisagem já é
saudade.
É como estar num
filme ao contrário
eu passo
enquanto o filme está parado
a me ver.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Viajar

O melhor de viajar é que as coisas deixam de ser automáticas. Andar, olhar, comer sentir frio, calor, cheiro, tudo é encarado como uma grande novidade. Como ser (um pouco) criança de novo, reaprendemos a fazer as coisas mais simples e tudo parece aventura. Só que com a vantagem de conseguir olhar a criança de longe. Quem sabe até, brincar com ela.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

pessoa

ontem, antes de dormir lembrei da primeira vez que li Fernando Pessoa. Aqui em Triunfo, era uma tarde qualquer, num inverno qualquer nos anos 90 e eu aproveitava a calma da minha cama centenária. Tudo ficou em silêncio, a casa se acalmou, eu não ouvia mais a estrada. Foi como ficar apaixonada: dá um embrulho bom no estômago. Eu saí do quarto, olhei para aquela serra bonita e respirei fundo. E o mundo nunca mais foi o mesmo. Naquela mesma tarde aprendi o prazer de reler poemas. Acho que tudo que faço até hoje está inspirada por releituras daqueles poemas que me reescreveram naquela tarde qualquer de inverno.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

buracos

um menino preto
cava buracos nas suas costas

sem pá de plástico verde
usa as unhas, braços, costelas
lá embaixo escreve poemas
que encontram
a água do mar

você febril
sonha com um labrador nadando em buracos do mar
nas franjas da colcha

conchas

beijo suas costas
palmo a palmo
cheiro morno
mãos dadas
embaixo da coberta

sonhamos

um menino-buraco cava
costas nos nossos pretos

poemas escrevem buracos
de água do mar

"é proibido matar mosquitos na parede"

nossa rota
nossa casa
mania nossa
cavar buracos
nas costas
de sonhos-meninos

terça-feira, 26 de março de 2013

o vô

meu vô sempre foi o cara. ontem cheguei no hospital para visitá-lo e ele tava falando com a enfermeira "esse cara sou eu". Enrolando a língua e fazendo graça. Meu avô parece um galã da época de ouro. Um Marlon Brando, um Tarcísio Meira. Sempre fui sua fã, sempre amei suas histórias e sua forma de ver a vida. No último natal, dei a ele um caderno para que anotasse suas belas palavras. E ele fez isso esse ano. Faz um mês ele foi parar no hospital e teve um diagnóstico que nos assustou. Não sabemos ainda como vai ser, mas temos a certeza de que temos muito amor para dar, muito carinho para ensiná-lo a viver uma nova vida. Hoje ele volta para casa. Em seu último dia de hospital eu e o Taiyo passamos a manhã com ele. Aprendemos muito, foi um belo dia, como os outros dias que passei com o vô. Vô gosta de falar quantos passarinhos estão cantando lá fora, ou quantos tons de verde vemos nas árvores. Ontem, segurando a minha mão, ele fez um poema. O Taiyo anotou e eu transcrevo aqui embaixo. Seja muito bem-vindo de volta, Seu Amaral.

Poema do vô
25/03/2013

Eu já vi muita coisa
Eu conheço todas essas pedras
Eu conheço todos os caminhos
Eu já vi muita gente nascer
Eu já vi muita gente morrer

Muita coisa boa
Muita coisa ruim
Só não vi o homem
Tomar conta da sua cria
Tomar conta da sua cria
O jacaré eu já vi
a onça.
Sempre a cria do homem foi largada
As crianças abandonadas pela rua

O homem não liga muito para sua cria

Vi o sol nascer muitas vezes
Por trás das montanhas

Vi nascer a água por trás das montanhas

Jogando os raios de luz pelo mar

Às vezes eu sozinho, mas sentia prazer
Tem gente que não sente prazer

Eu gosto muito de música
O homem que não gosta de música
Não merece viver
Tem que ter música no sangue

Eu estou com sono

Bonito, o que estou vendo

A minha vontade não é ir pra casa
É ir na rua
ver o sol
ver o céu
ver a natureza

eu quero que a chuva me beije
que caia no meu rosto
porque a chuva tem gosto de mulher

quinta-feira, 7 de março de 2013

Carteira

perdi minha carteira ontem. ela escapuliu da minha bolsa enquanto andava de bicicleta. Descobri na hora de sair de casa, cancelei cartões, mudei os planos, e não pude dirigir. fiquei um dia inteiro pensando que a minha carteira seria encontrada e devolvida. E foi. Entregaram na academia com tudo lá direitinho do jeito que eu deixei. Ao resgatá-la, que me dei conta dos tantos rastros que deixei lá: o que carrego na minha carteira diz muito sobre mim. Carteira de estudante, minha e do meu namorado, canhotos de compras banais, um dólar que ganhei em 86 e guardo até hoje para dar sorte, uma ficha de videokê, igualmente para dar sorte, um band-aid, cartões de visita, 19 reais trocados, 2 cetimos de euro, uma outra moeda que não reconheço, bilhete único e a carteira da academia que me rastreou. Sou séries de números, sou fotos 3 por 4, sou cartões de plastico, sou moedas estranhas, e um curativo amarrotado. Sou também o que não está na carteira: a foto do cachorro que ainda vou ter, a chave do portão imaginário, cartas de baralho, assinaturas que não existem, e óculos para miopia que cabem no porta-moeda. Somos sempre a poesia do entra e do que não entra nas nossas seleções. Somos níquel, números, folhas, fotos, lixo e buracos. E sempre podemos perder e reencontrar o que carregamos.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

rascunho

hoje revirando coisas, fui ao passado. tive durante muitos anos o hábito de escrever diários. Eu confessava pro diário, acho que de certa maneira, foi até bom eu ter demorado a fazer análise, porque tenho todas essas inseguranças e loucuras de adolescente por escrito e com datas. É engraçado e estranho. Dá pra entender melhor como você ainda é você e como estou sendo escrita pelas mesmas coisas até hoje. Acho que ano a ano, não faço nada mais que rascunhar o mesmo texto do ano anterior, e de novo, e de novo. Não que é fique melhor, mas eu tento me escrever diferente. é engraçado como pessoas, projetos, passados se embaralham com o tempo. Sonhava muito e sempre anotava os meus sonhos. Rabisquei por cima desse texto, que não sei o tamanho, que não sei como começa e como termina, que se repete. Esse texto que escrevo e rabisco e acrescento e que está em looping é o que me faz ser eu. Esse texto me escreve, anos e anos a fio, o mesmo texto de novo: repetir repetir até ficar diferente.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

férias

hoje, sem mais nem menos, eu parei. não fiz telefonemas, não achei os meus emails no fundo da bolsa e esqueci a chave de casa. parei para tomar um banho de mangueira no quintal da minha infância. enquanto a água caía e eu não pensava em nada, lembrei que eu era a menina das fotos da gaveta do quarto. o calor tinha secado o corpo sem toalha quando voltei dessa lembrança. no rádio um sol de primavera. meu namorado diz que as coisas sempre voltam quando tocamos nelas. lembrei que olhamos o que nos olha. abrimos espaços em nós para poder dançar. 3, 2, 1 lá vou eu. feche os olhos e abra a pele.