domingo, 7 de junho de 2009

Futuros Amantes

Paixão pra mim tem tudo a ver com Futuros Amantes do Chico. A leveza num sentimento desesperado e de dor, no caso, o fim do amor. Nada é pra já. Algo que repito, mas que em nenhum lugar consiga enxergar essa sabedoria em mim. Pra mim, tudo é pra ontem, meu coração urge, apesar do corpo conter uma preguiça quase contagiosa que veio de fábrica. Talvez não há amor ou quase-amor que não me tenha feito pensar levemente nessa música, apesar de no fim do amor eu sempre querer exterminar a pessoa e qualquer lembrança dela, não deixo nada, nem pra mim. Mas isso é papo para uma outra hora, e voltando à música, uma pessoa em especial é dono dessa canção na minha cabeça...
Ontem, ouvindo Futuros Amantes, sem dor, me imaginei não como o poeta que canta que deixou um amor subaquático, que virou um tesouro dos 7 mares. Não, me dei conta que nunca diria nada é pra já, ou deixaria meu amor para futuros amantes. Eu quero viver doses fortes de amor e até a última gota. Não sou o Chico sábio e tranquilão, mas certamente, poderia ser o escafandrista que descobre o Rio de Janeiro submerso. Fiquei pensando que visão fantástica de se encontrar em baixo d’água. Não teria a Lagoa, as praias, mas as montanhas seriam cavernas submarinas. A Pedra da Gávea continuaria misteriosa com seus olhos como uma esfinge e seu desafio mortal. O Pão de Açúcar estaria lá com o cabo apodrecido e intrigando os mergulhadores do futuro. O Arpoador seria um reduto de corais e peixes ornamentais belíssimos que se esconderiam nas pedras. Será que os arcos da Lapa estariam lá no fundo do oceano, coberto de algas? E Santa Teresa, e a Rocinha?
Continuaria a minha viagem olhando tudo ao redor, mantendo-me um escafandrista maravilhado, reviraria tudo e quando encontrasse o Cristo Redentor, eu pararia atônita. Saberia se tratar de um totem, de algo importante naquela sociedade perdida. Olharia sem medo dentro dos seus olhos de concreto e através deles, enxergaria dentro de mim a verdade que nunca consegui ver no espelho. Depois, eu estenderia os braços, repetindo o gesto dessa misteriosa figura e emergiria feliz. Não haveria mais necessidade de se procurar nada, naquele momento de braços abertos nadando sobre o Rio de Janeiro eu entenderia o amor que o Chico deixou na canção e faria as pazes com o mundo, respirando ar pelo nariz. Selaria para sempre uma amizade com o universo e comigo mesma e saberia que sempre há um lugar para ser feliz. E esse gesto de abrir os braços para o universo, que essa sociedade esquecida colocava num alto da montanha era uma maneira de encarar a vida e suas contradições. A partir de então tentaria fazer isso para minhas questões e para as pessoas ao meu redor. No início iam estranhar essa minha personalidade tão easygoing, tão alto-astral. Mas com o tempo, iriam entender essa minha vontade de abraçar o mundo.
Ainda bem que não preciso esperar o Rio sumir e sumirem os cariocas, o Chico, o Caetano, ou quem me faz lembrar essa música, para querer abraçar o mundo. Posso tentar agora, mas mudar, mais do que tudo na vida dá um medo disfarçado de preguiça. No entanto, não custa começar, tentar aos poucos, abraçando as coisas aqui e ali, com o tempo e com a prática eu pegaria o jeito. Afinal, nada é pra já.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Reluz

Gosto do mar
Da vista, do gozo
Do cheiro das tardes
de junho e das noites
de janeiro.
Gosto dos cabelos
tocando a cintura
Entroncar veios
E colar meus seios
Nos seus
Gosto de fitar
sem medo
o moço encabulado,
o gosto das maçãs
(do rosto)
Vermelhas e quentes.
Gosto de ouvir rente
Batidas de um coração
Mergulhar e
Só abrir os olhos
Debaixo da imensidão
preta
Aparecer à noite
E ser a última
A apagar a luz
Gosto daquilo
que nem tudo ouro
E a mim seduz.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

dói
ver
dois
virando
meio
em meio
ao
pouco
que
fica
do
esteio

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Os sinos dobram às 6 da tarde

Adoro morar perto de uma igreja católica. Não porque são bonitas ou me dão paz ou qualquer outro motivo parecido. Gosto de estar perto delas porque às seis horas de tarde elas tocam o sino incessantemente lembrando que são seis horas. Sempre me encantei com a beleza de rituais e esse ding dong de seis horas da tarde me lembra que não estamos sozinhos nesse mundo, vivendo apenas as nossas vidas. É como se fosse um grito do mundo para mim, me dizendo que “a verdade está lá fora”, de que é preciso sair de casa e olhar um pouco ao nosso redor.
Quando eu era criança, minha bisavó, hoje centenária, costumava se retirar no quarto, sentar na cadeira de balanço e ouvir no rádio a “Ave-Maria”. Eu não fazia idéia do que era aquilo, apenas me lembro que achava muito sério a pessoa ficar quieta no escuro do quarto ouvindo o rádio, e rezando pelas pessoas. Lembro que ficava um silêncio em casa, em respeito àquele momento solene. Eu sempre passava correndo pela porta do quarto dela nesses momentos. Tinha medo que um dia ela me fizesse entrar e ficar naquela solenidade escura com ela. Tinha medo do escuro e tinha também medo porque algumas coisas que eu não compreendia estavam naquele quarto com ela. Tinha medo, mas ficava sempre fascinada por aquilo, passava correndo pela porta e via a sua sombra se balançando, mas sempre passava pela porta e olhava.
O café da tarde era sempre depois desse momento sagrado e sentávamos todos à mesa, já resguardados pela oração da matriarca. Hoje ainda nos sentamos à mesa por volta das seis da tarde, minha vózinha ainda está conosco e sempre fala “chega chega chega” assim que começamos a servir o café, mas ela não ouve mais a Ave-Maria, nem fica sozinha rezando no quarto. Acho que agora ela é quem tem medo de ficar sozinha num quarto escuro. Aquela voz catedrática que vinha do rádio no canto do quarto está muda. O que mais terá emudecido nesses 20 anos? Só nesses momentos em que os sinos dobram aqui perto de casa é que lembro que às seis horas se fazia silêncio, se rezava baixinho e se comia o pão agradecido e feliz, certos de que há mistérios dos quais não conhecemos e nunca saberemos ao certo.