quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Rio Preguiça


numa viagem ao Maranhão
descobri
(porque deslocamentos transformam cabeças)
descobri que quero ser como o Rio Preguiça
que nasce miúdo, filete
mas no seu caminhar
engrandece

porque o Rio Preguiça quer encontrar o mar
e consegue
na calma
com generosa falta de correnteza
vê as dunas
vê o mangue
a floresta
e chega na praia
tímido, manso
e quente.

domingo, 11 de novembro de 2012

Naquele dia
da boca da cama
tentei rever os nossos verdes
quis saber se verdes ainda

eram

verdes são como sonhos
podemos ou não dançar com eles
ter preguiça, nos calar
com eles

descobri feliz alguns verdes ainda
verdes de si
vi também outras cores
pintamos nossas pernas
achei uma pinta nova
no seu peito
juntos
pintamos o lençol

semana passada
ganhamos duas caixas de giz de cera
nunca esqueci que
verde com vermelho
fica marrom

domingo, 21 de outubro de 2012

vi um anjo na rua disfarçado de cachorro vira-lata se coçando. ele me disse, sim, ele disse: deus tem três faces, é preciso reconhecê-las porque são muito parecidas, toda vez que elas falam com a gente: poesia, música e vento. Presta bem atenção, quando falar com ele, porque na verdade, é tudo a mesma cara. E o cachorro saiu de perto, sabe quando cachorro espirra e a gente acha engraçado? ele saiu pulguento para o outro lado, nem com ele mais. nem comigo. foi com deus. ele sente o cheiro de deus cachorros são bons nisso. depois começou a chover bem forte. como no dia que a minha bisa partiu. também foi com deus. também anjo. anjo em forma de vó. tem muitos por aí. eu gosto de chuva, mesmo que eu me lembre da bisa e sinta saudade. ela desenhava ursinhos de mão dada e cortava em volta do desenho. ela contava histórias e dormia vendo televisão. não usava óculos, sua miopia sumiu depois dos 90. tinha 100 anos quando foi com deus. faz 3 anos. até nisso a gente combina. Engraçado, não?

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Liberdade

O que eu tenho que fazer hoje? Tão difícil responder, tantas demandas, tantos trabalhos e ao mesmo tempo, tantos não-fazeres cheios de poesia. Hoje a professora nos obrigou de bom gosto a ler contos. Disse ser mais importante que nossas teorias. A mim, que perco horas vendo desenhos animados não pareceu estranho. Gostei dessa "obrigação" sensata. Porém, e os prazos, os editais, os artigos, os congressos, o Bergson que preciso ler até segunda? Difícil escolher. É o que estudamos nessa aula: a liberdade é coisa muito difícil porque vem cheia de pressões, pressões para se escolher. Muitas vezes procuramos uma saída, como o macaco de Kafka. A saída não é uma escolha, não é liberdade. A saída é outra coisa, como um número musical no meios das nossas próprias narrativas. Manuel de Barros, Pessoa, Apenas um show, Nietzsche. Teoria também pode afetar e ser saída. Tentar ser bicho ou coisa enquanto se escreve poesia. Somos um pouco o macaco de Kafka de revés.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

SP

Cheguei na cidade por cima e percebi que todos os prédios eram carecas
Carecas com desenhos
Tudo cortado por rios e carros
Traços pra cima
Pros lados
No metrô
pinheiros
de escadas rolantes
de gente
Corri com preguiça
A cidade é rápida na rotina
Mas eu estou de passagem
Sim
Passagem
Rios e bicicletas
Torci para que tudo desse certo
Falaria em publico
Falaria de afetos
Num congresso sério
(Dá até vontade de rir)
Ninguém se afetará
Enquanto eu falava
Diferente do maestro que hipnotiza
Vozes
E espalha afetos
A academia analisa

A cidade de predios carecas e
Metro lotado é boa para
Se pensar em afetos.
Num karoke na liberdade
Fui feliz
250 km de engarrafamento
270 km de afetos
Perdidos
Criam-se expectativas
Famílias, hábitos
Cria-se
Barriga

29 anos
E o mundo
Cada dia mais
Parece igual

terça-feira, 2 de outubro de 2012

tempo-sol

o seu relógio me olha
lá da cama
sou medida palmo a palmo
pelo seu tempo
vejo os ponteiros
rodando
a cada letra que escrevo.
tempo
é coisa que não
deixa pegada quando passa
tento correr atrás dele
e me surpreendo quando
vejo suas marcas
no rosto,
corpo,
cabelos,
amigos

tempo é poeira que
corre pra baixo
na ampuleta
ou pra cima na estrada de chão
corro com o tempo
para um dia
me dar ao luxo de
assisti-lo da rede
brincando com os
cachorros

coloco o seu relógio
esquecido
e visto o seu tempo

de uma hora pra outra
passei a fazer coisas minhas
no seu ritmo
ando com as suas pernas longas
com a sua fome-abismo
com o coração
batendo como o seu
sincronizado
na mesma disritmia:
compassos de salsa
com um surdo no segundo tempo
ou um gol num segundo
do segundo tempo

com o seu tempo
escrevo as mesmas suas
longas linhas
por dentro das minhas
longas saias,
cubro o corpo
e me exponho em palavras
ando com o tempo
de mãos dadas
como quem caminha para
o cinema,
distraída, vejo o tempo
atravessando a rua
com outra
como se nada
bicicletas fazem vento
o bento me ensina
a fazer frases com poucas
palavras
pulo do alto do prédio
do tempo
sorteio na cartela de
não-fazeres
quais e quantos e ondes
e sigo
as brechas se abrem
sorrisos vão e vêm
o tempo-menino
mergulha na poça
com sapatos novos
e nós
sem perder tempo
fazemos o mesmo.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

se os poemas não me têm
no momento
é porque não posso me
entregar a eles
algum resguardo
algum cuidado
de tê-los somente
quando for intenso
e recíproco

me reservo a só
vê-los
quando pudermos
nos encontrar
despidos

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

cascatas de borrões
onde os sonhos
pegam sol

sapateamos pólen
enquanto o cheiro
de tinta nos move:

minha floresta tropical
pinta poemas na sua pele

toute petite figure

(sobre "toute petite figure" de Giacometti)
les yeux
son visage
la tête
tout
c'est petit
miniscule
mais cette
petite figure
m'est revillée
je suis entre elle
le museum est
chez elle
tout les hommes
toutes les femmes
sont entre elle
cette petite figure
est le monde
ou tout qu'on
puisse connaître.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

o Bento aprendeu a dançar.
Sozinho.
E gosta.

Se diverte com seu
próprio movimento de
rodar em volta de si
fico boba
me espelho na sua dança
sei que estou ali
sei que danço com ele
somos parecidos
mesmo sangue
mesma vontade
de recriar o mundo
com esses passos estranhos
ele sorri pra mim
como quem chama pra dançar

dança de criança
não segue o fluxo do ritmo
da música ou do canto
é um jeito de mexer
que faz poesia

não me disseram isso
mas garanto
por invencionice:
toda vez que uma criança
aprende a dançar
nasce uma estrela no céu

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Sacerdócio

desenhei maria
e pensei em poemas concebidos
sem pecado
Santo Agostinho
El Greco
Antonio Vieira
o menino jesus de Caeiro
comunguei com eles
desenhei a freira
que queria ser

mais nova eu achava
que eram precisos terços
e hábitos para se chegar
até deus
eu queria
encontrar deus
quem sabe um dia
ir em missão
a algum lugar miserável
me doar inteira
e voltar a ver o clarão
que um dia em sonho
entrou pela minha janela

a freira que eu nunca
fui
pensa na mãe
somos todos órfãos
ligando os pontos
de um desenho de jornal
tantas marias no museu
tantos barrocos como eu
a freira que sempre fui
deixa os poemas
me escreverem
e as pinturas
me olharem
me doou
inteiramente
a imagens e palavras
e assim
na menina que sou,
encontro a freira
que posso
ser

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Genealogias

marionetes
engolem celulares
com corações dentro
com o mundo inteiro
daquele tamanho todo.
Dentro.
Na materialidade de um objeto
temos um mundo

Um copo que me bebe
Um traço que me risca
São os poemas que escrevem
as pessoas
o sexo que faz os amantes
o tempo não toma
não é tomado
apenas flui,
tempo.
Objetos são rastros, efeitos
excessos boiando em fluxos:
os efeitos são a única origem conhecida.

É preciso começar pelo fim.

(o poema pode também ser lido de baixo pra cima)

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

vi um poder
atravessando a rua
esperou o sinal abrir
olhou para o chão
e então atravessou
distraído atentamente
em nada específico

sabia disso?
poderes se distraem
perdidos em calçadas

terça-feira, 21 de agosto de 2012

la mayor sonrisa

cuándo la luna se queda llena
mi cuerpo a mí recuerda
las cuervas de una vieja
canción
los cantantes son
mis brazos, piernas
y los instrumentos
mi corazón
en este momento
puedo a ti sonreír
o danzar mis sueños
muertos
pero prefiero que te
descubras sólo
todo lo que guardo
mientras los cantantes
y los instrumentos

sábado, 18 de agosto de 2012

desenho


na aula
era pra desenhar
3 círculos
3 linhas retas
3 linhas curvas

Foi quando percebi
que sei desenhar
só de escrever

círculo pra mim é "o"
reta é "l"
e curva é "s"
aí desenhei com letras um "SOL"

fiquei a brincar
com palavras
e fugi da aula
papel canson
lápis 6B
bonzão
pra desenhar poesia

terça-feira, 7 de agosto de 2012

passados

encontrei um passado na gaveta
lá dentro uma caixa
algumas sacolas
e caligrafias esquecidas

passado é coisa que se coloca
em pasta,
ou se expõe pra não esquecer

não se carrega um passado
o passado se guarda
às vezes até sem querer
igual poeira que está lá
e ninguém colocou

O aqui ainda
vive em nós
como o instante
eternamente se renovando
não é presente
simplesmente
é
aquela criança que corre
entra e não entra no
rio que somos
e não somos

acomodei passados
em pastas, caixas e gavetas
e assim estão.

porque memória é
antes de tudo
esquecimento.

sobre The Universe of Things

Imaginei um mundo de coisas vivas
Não era animação ou poesia
Era só imagem: eu tocava
Um mundo de coisas vivas

Lambida de cachorro
Coceira estranha na sola do pé
Pernilongo-sangue na parede
Queria mais:
A escandalosa experiência
dum mundo em que tudo que se
toca é vida.


(Fui cozinhar e escrever, então)

sexta-feira, 13 de julho de 2012

metades

Queria, na verdade,
dividir minhas metades
e espalhá-las pelo mundo,
uma metade aqui,
outra em triunfo,
outra partiria
pra Europa com a minha tia
amanhã,
outra brincando de esconde-esconde
com o meu irmão,
meia metade com 4 anos
na casa da vó,
outra meia eternamente
pegando sol.
Em outra metade,
eu me apaixono com 16 anos.
Outras duas metades
estão com você.

Um dia, todas essas metades
se encontrariam.
Eu me olharia no espelho.
A imagem que vejo
é só mais uma metade perdida.
Abismo de metades.
Somos sempre muitas
dentro ainda e de novo.
Ser e estar,
metade calabresa,
metade chocolate
com maracujá.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

hoje tive medo

hoje tive medo

acho que ninguém viu
disfarço bem
fiz piada com medo
paguei uma multa,
pedi bastante creme no café
ninguém percebeu,
mas eu estava com medo

medo de criança é diferente
eu corria na antiga
casa da vovó
de olhos fechados
(só de olhos fechados o monstro
que morava atrás de mim não
conseguia me alcançar)
o coração batia alto
mas o medo não era mais rápido que eu
e parecia uma ilustração
de livro numa infância qualquer

hoje tive medo de adulto

não é bonito de lembrar
nem cabe aqui dentro
a gente ainda quer correr
e tapar os olhos
mas medo de adulto
corre na nossa frente

tapei os ouvidos
e pedalei no meu medo

o coração de criança
que ainda bate alto
disse que era apenas
um corredor longo sem janelas
logo logo
logo logo
chego na sala

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Lua vazia

me explicaram que a lua vazia
é uma preguiça contagiante
do universo: tudo, até a gente
fica num ritmo lento
dançando em compassos de 8.

é uma explicação bonita
para a dedicação
exclusiva a coisas inúteis,
e sem escolha
(porque eu quero
dançar com o universo)
jogo todos os
compromissos sérios
para o modo subjuntivo

no aqui ainda
apenas
você cinema e poesia
as três metades
do mais ou menos
nada cheio de tanto
onde quero morar

domingo, 17 de junho de 2012

leão mineiro

Quando fui a Minas, das muitas coisas que me impressionaram foi o leão que o Aleijadinho fez. Ele nunca tinha visto um leão na vida, nem desenho, só descrições. Os seus leões eram bichos mitológicos e eu achei lindo como a imaginação ultrapassa essa necessidade de semelhança. O leão mineiro é o leão mais verdadeiro que eu já vi. Assim, a felicidade quando eu ouvi falar, desenhei ela dentro de mim. E numa sexta-feira que nunca mais acabou, o leão mineiro chegou.

sábado, 9 de junho de 2012

salgadinho

la grasa del mundo
que quiero limpiar
és solamente aquella
que se quéda en las manos
cuando se come con ellas
esta sí, la quiero
con mi boca
y mis sonrisas
de felicidad

quinta-feira, 7 de junho de 2012

escrever, na verdade
é um processo de copiar versos
os versos já estão prontos
dentro da gente
nascemos só para copiar de volta
esses versos mais antigos que a vida
que nos dão sentido
e nos desejam
(sim, vivemos porque os versos
nos desejam!!)

outro dia descobri
um poema que me desejava

ele me olhava enquanto
dormíamos,
falava baixinho
meu nome à noite,
eu não escutava
ou fingia que não

gosto de sorrir para ele
porque sei que ele está lá
faço pose e canto coisas
as vezes saio na ponta do pé
para ver se o encontro

um dia encaro-o de frente
copio verso por verso
e espalho o poema em mim,
ele vai me olhar de perfil
eu, com a ponta dos dedos,
da forma mais delicada possível
tocarei o seu rosto, pescoço, peito
os olhos do poema estarão abertos
nos meus
e nós, em silêncio,
tomaremos posse,
um do outro.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

chuva na montanha

meu desejo
de midas
é sonhar
com um dia
em que tudo
que eu toque
vire poesia

quinta-feira, 31 de maio de 2012

penso as vezes
num bom lugar
pra se morar
rede, céu, tapete
um lugar para encostar
o pé no chão

pode ser um bom filme
ou uma memória
tem gente que mora bem
num fusca 68
que nunca existiu.

moro todo dia
em heterolugares
(meu superpoder favorito
sempre foi o teletransporte)

moro num texto que leio
ou num desenho que me olha,
eles me desejam
tanto quanto eu a eles

moro todo dia
em heterotopias

utopia não é sonho nem mistério
nem uma coisa só
é apenas um lugar que te aponta
no mundo
e você só aponta de volta,
caracol e concha,
cafuné e colo

a grama que acabou de ser cortada
sente o meu cheiro de cama

terça-feira, 29 de maio de 2012

O calor tomou o meu corpo
e ardi em febre
40 graus por 3 dias
No Rio, 40 graus
chega a ser clichê
estamos acostumados aos calores
Coletivos
melhor mesmo
são os calores em par
Como afinidades que vêm
em pacotes, você disse
no dia em que nos encontramos
Foi o dia em que
não aprendemos o que era um
Estromatólito
(penso que essa palavra ficaria melhor
com um E na segunda sílaba, teria o som
de pedra extrema, lindo, como o nosso arpoador,
como o bojador em Pessoa)
foi nesse dia também que você
me carregou na minha bicicleta:
eu tentava não encostar
demais a cabeça no seu ombro
e percebia o quanto você
evitava beijar a minha testa.
acho bonito uma bicicleta para dois
daquelas coisas incríveis que
que só encontra seu significado
muito tempo depois: bicicletas foram
criadas para um dia se carregar moças
e nada mais.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

muito se perde
entre ensaiar
filmar e editar
poesias

escrevia de cabeça
quando apareceu
uma frase incrível

o poema estava garantido
com uma puta frase no final

Só que a minha memória
perdeu o seu verso

deve ter sido a cerveja do almoço
ou o sol do arpoador
no meio do dia
talvez, a terapia
que bagunça as minhas frases
e depois eu jogo tudo num armário
onde nunca mais consigo achar

tentei re-sentir o verso
fiz exatamente os mesmos passos
mas ele estava perdido
de nada adiantava procurar
no meu caderno

pela vitrine eu via
as pessoas andando
passando
pisando no meu verso
perdido na calçada

domingo, 20 de maio de 2012

Sonho com cores

Era um mesmo quadro fixo, onde nada acontecia, composto por objetos, todos na mesma cor. Mas, de uma hora pra outra, tudo mudava de cor, o mesmo quadro, em outras cores: laranja, vermelho, amarelo, verde-limão, roxo. Cores fortes, tipo anos 70. Depois, eu cozinhava e servia as minhas carências pra você. Também tinha carne assada com batatas no prato de porcelana em cima da toalha branca (adoro toalhas brancas). Sequei a mão no avental, estávamos na nossa cozinha branca dos anos 70. Olhávamos um para o outro por longos minutos. Tudo acontecia num grande silêncio eu não sustentei o olhar. É que entre um olhar e outro, na dúvida entre olhar para os olhos ou olhar para boca, senti você chupando as minhas verdades. Olhei para a janela. Branca como todo o resto. Olhei de volta e você não estava mais lá. A cadeira branca estava vazia e o prato vazio na mesa. Segui por um corredor-labirinto cor cobre da nossa casa nos anos 70. O meu reflexo brilhava fosco nas paredes metálicas. Um reflexo borrado que eu não conseguia não acompanhar; será que é ele que me segue ou sou eu que ando atrás dele?

sexta-feira, 18 de maio de 2012

o radio tocava bons clichês

tinha um véu tapando a luz
e guardando as folhas
enquanto na mesa
lembrando os cadernos perdidos
estamos e não estamos.

os verdes vivos de plástico
os verdes pálidos de plantas
o verde-ardósia do chão,
amanda nunca disse não.

verdes, as paredes me diziam que
ainda estou para
pegar a estrada pra minas
e os nossos assuntos
verdes-capim-limão,
aos poucos se amorenaram
com duas colheres de mascavo

naquele restaurante
somos e não somos
entramos e não entramos

quinta-feira, 17 de maio de 2012

quando o passo do relógio
e o do corpo se encontram,
quando olhar a natureza
dá vontade de dançar
e encontramos largada
uma fresta do sol de maio
a única palavra possível
é a escrita
(palavra é um desenho
com letra que faz som
na cabeça)

FIM

quarta-feira, 16 de maio de 2012

silence

il fallait froid
l'année dernière
au mois de mai
comme aujourd'hui
ta presence distance
a chauffé mes jours
le vent, la pluie,
la fenêtre overt
et j'avais oublié
mes autres senses:
je voudrais voir tes mots,
seulement

les mots sont les plus
chaudes choses
que je connais
(c'est pour ça
qu'il fait froid
maintenant)

domingo, 13 de maio de 2012

o disco rodou rodou
(é como relaxar o pescoço
pro lado direito)
e eu fiquei olhando o som

a música encontrou meu corpo
deixado na sala
rasgou um pouco na hora de entrar
cicatriz em pele morena
fecha, mas deixa marca
algumas fazem desenhos bonitos
tatuagem que se ganha
afinal,
o excesso nunca deixa
a sala impunemente

terça-feira, 8 de maio de 2012

geladeira

Silêncio

Não temos paredes
na casa
e podemos nos ouvir.
fale baixo
enquanto arrumo os restos,
o gostar prismático
se espalha com a luz do sol
então, feche as cortinas
e tire a poeira.
Na hora de sair
tranque a porta com cuidado e rápido
pois os gatos podem
sair no seu rastro.
não se esqueça:
tem mousse de maracujá
na geladeira, coma
antes de virar o lado
do disco.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

coração não se dá
num anel dourado
nem numa fita cor de rosa.
coração é lugar de batalha
se perde, se rouba, se destrói
se conquista.
em tempos de paz
coração é mato solto
comprido, verde, pronto.
Livre,
mas com aquela beligerante
sensação
de ouvir de longe
passos invasores
que se aproximam.

domingo, 6 de maio de 2012

Sonhei que tocava uma música do Milton que eu não conhecia e isso me paralisava: eu tinha que saber que música era. Daí, eu me perdia procurando e nunca mais voltava do sonho. Acordei pensando que eu bem queria fazer um travesseiro dos seus braços. Ouvi Geraes, então, me perdi de novo, e nunca mais voltei.

terça-feira, 1 de maio de 2012

olhei os balões no céu
se afastando, virando ponto
e sumindo pra um lugar invisível.
balão é coisa bonita de se ver
parece brincadeira de criança
com fogo que faz voar.
o meu balão é rosa, de menina
o seu é azul, de guri.
hoje somos pontos, azul e rosa,
em camadas diferentes de ventos.
quem olha de longe um ponto azul
e outro rosa, distantes, sozinhos
só acha bonito, como passarinho no céu
ou avião que faz acrobacia.
O sol também desce no céu
como balão pousando,
e some dos nossos olhos.
Só quem sabe dos seus segredos
é aquela estrela que acabou de surgir
entre um ponto azul e outro rosa
num céu gigante.
ela também sabe da gente
e jura que não conta pra ninguém.
Nem pra quem só olha da terra
enquanto o céu acontece.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Anacronismo Crônico

Nasci na época errada.

Deve ser essa preguiça imensa
que atrasou a minha vinda.
Cheguei num bonito dia de inverno
dum ano tarde demais.

Um dia o médico me examinou,
percebeu que o coração batia diferente
e diagnosticou: é um
prolapxo da válvula mitral.
um nome bonito pra dizer
que o coração batia em descompasso:
PRO-LA-PXO.
São duas batidas e um suspiro
nunca no mesmo ritmo,
como falar essa palavra
cada hora de um jeito.

O coração fora da sua época
bate nostálgico
procurando seu próprio som
às vezes encontra rima
em outras acha o tema,
entre tentativa e erro
amassa e desamassa
sem nunca achar o tom.

domingo, 22 de abril de 2012

clichês

eu queria um diário bonito, com um coração e um cadeado. Contaria meus segredos de menina, desenharia nomes, passaria um bom tempo olhando para o teto e construindo abismos acima da cabeça. Eu queria um mustang vermelho 87, jeans, óculos escuros, uma estrada longa, uma rádio tocando rock ruim da década de 70. E um batom vermelho, argolas, um tomara que caia rodado, um coque e a carteira embaixo do braço, olhos bem pintados. Colo todas essas imagens nas minhas paredes vazias. Há espaço. Olho bem devagar os clichês da minha alma. Recorto mais um: por-do-sol, goiabeira, pé descalço, cavalo no portão e um violão tocando toada. Banho de rio: recorta e cola. Banho de mar: recorta e cola. Bicicletas no aterro. Dormideiras fechando. Beijo de esquimó.

sábado, 21 de abril de 2012

Não se esqueça:
um quarto vazio
está cheio de ar

domingo, 15 de abril de 2012

Rosebud

Quero lançar um filme nos anos 40 sobre a minha vida. Dolores del Rio será eu. Uma história nostálgica que se passa no Rio atual: frescobol e biquini tomara que caia, mesas de bar, bicicletas, funk, soul, samba e forró num musical inédito. Começa com um número de sapateado na lapa, sem instrumentos, sem canto, só vestido vermelho e sandália prata. Nada de poças d'água, a chuva é fina, é outono. Sonho acordado. Eu aperto os meus olhos fechados e relaxo. Volto a escrever o texto e tomar o chá de capim-limão. Olho a janela e chove fino, é outono. E rabisco um nome no papel.
Um coração se cura
como queijo minas,
deixe ele lá, descansando,
ele vai perder o soro, a água
e com o tempo
ta curado.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A paixão existe em planos detalhes. Metonímica. Como as melhores cenas de um filme que vão parar no youtube para serem vistas indefinidamente, cheias de links relacionados num looping infinito. Os sentidos são sentidos como nunca e a mente monta as melhores sequências, tanto de memórias vividas quanto imaginadas. Essas cenas prontas repetem na cabeça, geram prazer, se retroalimentam em seu próprio repertório, para mais uma vez repetir e encontrar prazer. A felicidade é o desejo de repetição, eu li quando era adolescente e entendi sem nunca ter me apaixonado. Se recuperar da paixão é obrigar o olhar, o ouvido, a pele a voltar ao plano geral, aos tempos mortos, e tentar criar um distanciamento com a nossa própria narrativa. Mais ainda, interromper o desejo de repetição, ou, na melhor das hipóteses, reconfigurá-lo. E por isso é tão difícil: o close é um desejo permanente dos nossos sentidos. Dizer não para esse apelo é quase negar a nossa própria existência.

domingo, 1 de abril de 2012

sonoridades


Em 20 tecnologias diferentes
nada acontece.
Nenhuma delas.
NADA.
Nem um bilhetinho idiota
deixado por engano.

Miramos máquinas
como quem espera algum
milagre sonoro:
dinheiro eu não sei, mas
barulhinhos eletrônicos
trazem felicidades.

Na verdade,
barulho e felicidade
sempre tiveram afinidade,
buzina, carteiro,
assovio, campainha.
O portão barulhento se abre
não mais que o sorriso
da moça sentada no sofá.

Sem percebermos, sonoridades
são viradas presentes
na história da gente.
Deus ex machina
restabelecendo a ordem
é você verdinho
piscando no gtalk.

quinta-feira, 29 de março de 2012

madrugada

(cantando para não esquecer a melodia)
Madrugada
Deita e rola
Madrugada
Não tem hora

Pesando sem balança
A madrugada dança
Apaga a lembrança
É hora de mudança

Madrugada
não demora
madrugada
Também chora

Não teima, criança
Que qualquer semelhança
Com aquela fala mansa
É mera abundância

Madrugada
Me ignora
Madrugada
Foi-se embora

domingo, 25 de março de 2012

chupeta

Um dia minha mãe falou:
"encontrei uma barata na sua chupeta"
era mentira, mas só a adolescência me mostrou isso
e naquele triste dia de criança
eu tive que jogar a minha chupeta no lixo.

Com a chupeta na mão fechada
e a lata de lixo embaixo
eu chorava com medo de
abrir a mão.

Até hoje, por vezes, me sinto assim:
choro, chupeta, barata,
mão fechada e a lata de lixo.

Esse estranho momento na memória
onde eu negava o inevitável
me ensinou que quanto mais tempo
com a mão fechada
mais longo o choro.

sexta-feira, 23 de março de 2012

como máquina
tendo por vezes
a dar defeitos

defeitos de fábrica
ou pelo uso constante

sem garantia alguma
a vida gasta as peças,
correia, corda, vela,
dessa engrenagem
aberta
que chamam coração

domingo, 18 de março de 2012

domingo

tem dias que algo falta
um cheiro, uma voz
uma força qualquer
dá vontade de olhar pro lado
como criança que inventa amigo.

mas não ta lá também

fico quieta reparando no mundo:
carros, cores, pratos
e as telas luminosas
(a pipoca é comida com cuidado
no escuro)

a vista chinesa recorta a zona sul
aquele vestido preto
tem um antigo corte da moda
corta para cena 1 plano 5:
ela, no computador, lembra
que não pode pensar nele,
e escreve:
"até as coisas realmente bonitas acabam"
e vai dormir.

às vezes, é preciso ver o domingo de longe

sábado, 3 de março de 2012

ossos

de todas as partes do corpo
eu acho que a ausência
se sente nos ossos

ossos mantém de pé o que é vivo em nós
são o que sobrevive à morte.
a ausência é exatamente isso
sustentar em pé o que ainda vive

uma vez, num romance cubano,
li que o português
era a língua sem ossos.
nunca entendi direito.
mas hoje acho que falar português
é a vida pura que se carrega sem forma e sozinha.
é o avesso da ausência
é o remédio mais eficaz
talvez o único
que conheço
contra a solidão da saudade

o silêncio
ecoa nos ossos

domingo, 5 de fevereiro de 2012

observar a vida menos bruta
maravilhar-se, uma vez por semana
que seja
tem um sabor de missão cumprida
como a pelada da quarta à noite
ou telefonemas a amigos distantes

mas talvez seja mais

perceber uma beleza qualquer
é, volta e meia,
encontrar um espelho
onde sempre estamos bem