domingo, 21 de outubro de 2012

vi um anjo na rua disfarçado de cachorro vira-lata se coçando. ele me disse, sim, ele disse: deus tem três faces, é preciso reconhecê-las porque são muito parecidas, toda vez que elas falam com a gente: poesia, música e vento. Presta bem atenção, quando falar com ele, porque na verdade, é tudo a mesma cara. E o cachorro saiu de perto, sabe quando cachorro espirra e a gente acha engraçado? ele saiu pulguento para o outro lado, nem com ele mais. nem comigo. foi com deus. ele sente o cheiro de deus cachorros são bons nisso. depois começou a chover bem forte. como no dia que a minha bisa partiu. também foi com deus. também anjo. anjo em forma de vó. tem muitos por aí. eu gosto de chuva, mesmo que eu me lembre da bisa e sinta saudade. ela desenhava ursinhos de mão dada e cortava em volta do desenho. ela contava histórias e dormia vendo televisão. não usava óculos, sua miopia sumiu depois dos 90. tinha 100 anos quando foi com deus. faz 3 anos. até nisso a gente combina. Engraçado, não?

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Liberdade

O que eu tenho que fazer hoje? Tão difícil responder, tantas demandas, tantos trabalhos e ao mesmo tempo, tantos não-fazeres cheios de poesia. Hoje a professora nos obrigou de bom gosto a ler contos. Disse ser mais importante que nossas teorias. A mim, que perco horas vendo desenhos animados não pareceu estranho. Gostei dessa "obrigação" sensata. Porém, e os prazos, os editais, os artigos, os congressos, o Bergson que preciso ler até segunda? Difícil escolher. É o que estudamos nessa aula: a liberdade é coisa muito difícil porque vem cheia de pressões, pressões para se escolher. Muitas vezes procuramos uma saída, como o macaco de Kafka. A saída não é uma escolha, não é liberdade. A saída é outra coisa, como um número musical no meios das nossas próprias narrativas. Manuel de Barros, Pessoa, Apenas um show, Nietzsche. Teoria também pode afetar e ser saída. Tentar ser bicho ou coisa enquanto se escreve poesia. Somos um pouco o macaco de Kafka de revés.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

SP

Cheguei na cidade por cima e percebi que todos os prédios eram carecas
Carecas com desenhos
Tudo cortado por rios e carros
Traços pra cima
Pros lados
No metrô
pinheiros
de escadas rolantes
de gente
Corri com preguiça
A cidade é rápida na rotina
Mas eu estou de passagem
Sim
Passagem
Rios e bicicletas
Torci para que tudo desse certo
Falaria em publico
Falaria de afetos
Num congresso sério
(Dá até vontade de rir)
Ninguém se afetará
Enquanto eu falava
Diferente do maestro que hipnotiza
Vozes
E espalha afetos
A academia analisa

A cidade de predios carecas e
Metro lotado é boa para
Se pensar em afetos.
Num karoke na liberdade
Fui feliz
250 km de engarrafamento
270 km de afetos
Perdidos
Criam-se expectativas
Famílias, hábitos
Cria-se
Barriga

29 anos
E o mundo
Cada dia mais
Parece igual

terça-feira, 2 de outubro de 2012

tempo-sol

o seu relógio me olha
lá da cama
sou medida palmo a palmo
pelo seu tempo
vejo os ponteiros
rodando
a cada letra que escrevo.
tempo
é coisa que não
deixa pegada quando passa
tento correr atrás dele
e me surpreendo quando
vejo suas marcas
no rosto,
corpo,
cabelos,
amigos

tempo é poeira que
corre pra baixo
na ampuleta
ou pra cima na estrada de chão
corro com o tempo
para um dia
me dar ao luxo de
assisti-lo da rede
brincando com os
cachorros

coloco o seu relógio
esquecido
e visto o seu tempo

de uma hora pra outra
passei a fazer coisas minhas
no seu ritmo
ando com as suas pernas longas
com a sua fome-abismo
com o coração
batendo como o seu
sincronizado
na mesma disritmia:
compassos de salsa
com um surdo no segundo tempo
ou um gol num segundo
do segundo tempo

com o seu tempo
escrevo as mesmas suas
longas linhas
por dentro das minhas
longas saias,
cubro o corpo
e me exponho em palavras
ando com o tempo
de mãos dadas
como quem caminha para
o cinema,
distraída, vejo o tempo
atravessando a rua
com outra
como se nada
bicicletas fazem vento
o bento me ensina
a fazer frases com poucas
palavras
pulo do alto do prédio
do tempo
sorteio na cartela de
não-fazeres
quais e quantos e ondes
e sigo
as brechas se abrem
sorrisos vão e vêm
o tempo-menino
mergulha na poça
com sapatos novos
e nós
sem perder tempo
fazemos o mesmo.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

se os poemas não me têm
no momento
é porque não posso me
entregar a eles
algum resguardo
algum cuidado
de tê-los somente
quando for intenso
e recíproco

me reservo a só
vê-los
quando pudermos
nos encontrar
despidos