segunda-feira, 25 de abril de 2011

Fred

Fred era calado, gostava de ver televisão e desenhar. Um garoto esquisitão para quem tinha 8 anos, poucos amigos e poucas palavras. Fred morava com o bisavô, Agenor, numa casa no subúrbio, onde se ouvia principalmente o canto dos passarinhos da casa, em suas gaiolas e a rádio de notícia, que o Seu Agenor ouvia baixinho ao pé do ouvido. Se não fosse por esses dois sons, poderíamos dizer que era como se Fred e o bisavô vivessem em um filme mudo. Não era uma questão de não se entenderem, não, muito pelo contrário, eles eram apenas pessoas silenciosas que aprenderam a se comunicar sem palavras. Ao lado do quarto de Fred havia um piano que ele nunca ousou tocar, aliás, desde a morte de sua bisavó, Dona Elisete, o piano se tornou mais um morador silencioso daquela casa. Seu Agenor sempre dizia que o som desse instrumento espantava o canto dos passarinhos. E Fred, de maneira alguma, queria calar o som principal que habitava aquela casa.

Dona Elisete

Dona Elisete ainda era nova e orgulhosa falava para todos que já era bisavó. Ela não tinha muito com quem conversar, seus filhos moravam longe, seu neto trabalhava o dia inteiro e seu marido falava muito pouco. Este, seu Agenor, gostava de passarinhos em gaiolas e de ouvir o noticiário. Ele ficava ouvindo as notícias do radio AM que nunca desligava nem na hora de dormir. E Dona Elisete, como não tinha muito com quem conversar, adorava andar de ônibus para puxar assunto com quem sentasse ao seu lado. Que mochila pesada, quer que eu segure, olha, acho um absurdo isso, e eu já sou bisavó, sei bem que não se usa esses livros todos. Quando voltava de seus passeios, com alegria, corria para tocar seu piano, antes que Seu Agenor chegasse. Seu Agenor não gostava que ela tocasse piano, principalmente música clássica, atrapalhava seus passarinhos. Quando ele chegasse, ela se levantaria, antes que ele percebesse. Não gostava de cara feia, e Seu Agenor de cara feia, franzia o rosto de um jeito que o deixava parecido com seus passarinhos. Dona Elisete deixava pra lá, como havia deixado o sonho de ser pianista, a vontade de pintar as unhas e os lábios de vermelho e tantas outras coisas que ficaram pelo caminho. Ela se voltava para o bisneto de 6 meses que ficava no berço no quarto ao lado do piano. Esse sim, sempre tinha no rosto um sorriso para ela e gostava muito de ouvi-la tocar.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

As paredes do feriado

as paredes do feriado
se juntam a longos corredores
onde ecos compridos
vêm, às vezes dar notícias.

as paredes do feriado
são curtas e finas,
será que elas
têm ouvidos?
é mais provável que tenham
olhos ou línguas.

as paredes do feriado são
limpas e ásperas
e eu as aproveito
para pendurar meus brancos
lençóis guardados,
lavados.

terça-feira, 12 de abril de 2011

aos fracassos felizes

brindemos aos fracassos felizes
às promessas descumpridas
com gosto,
à prazerosa perda de tempo
viva o não-fazer delirante!!!
controle remoto
telefone sem fio
wireless
careless.

Dica:
preste atenção ao
giro do ventilador de teto
e ao passo de
vagar da rede,
de dormir.
Loser
é vender seu tempo
e ignorar o que há
de beleza por aí

Ipanema

um copo de mate
gelado na praia
um vento que bate
gelado na cara
amigas em roda

qual a medida certa da felina
vontade de sair por aí,
mulheres, o vento, o mate
a roda?

sexta-feira, 8 de abril de 2011

crise

que sacanagem
aqui nessa cidade
todos perguntam
a minha idade
mentir ou não
omitir
eis a questão

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Susana

Susana tinha medo da morte e pensava consigo mesma, e quem não tem? É verdade, esse deve ser um medo tão comum que nem deveria contar. Mas num dia de outono começou a chover ao meio-dia. Susana pensava consigo mesma que chover ao meio-dia não era comum no Rio de Janeiro. No Rio chovia ou de manhã, ou no fim da tarde, ou à noite, ou de madrugada, pensava mais um pouco e repetia que chovia ou de manhã ou no fim da tarde, ou à noite ou de madrugada. Que estranha aquela chuva. Susana pegou seus óculos de grau e foi na janela olhar a chuva. Ao atrevessar a janela percebeu que seus óculos molharam com a chuva e que era melhor tirá-los. Pensou que a água se dá melhor no corpo da gente, nada entre nós e a chuva seria melhor, seria melhor um peito aberto para abraçar a chuva. Uma chuva ao meio-dia não causaria tantos estragos no trânsito era uma chuva complacente e merecia o seu abraço. Saiu de casa, dando duas voltas na chave, Susana sempre dava duas voltas na chave antes de sair, não sabia o porquê, simplesmente achava certo. Na rua assobiou "Singin' in the rain" porque não se atrevia a cantar, já ousava demais sem o guarda-chuva. Molhava-se, sem medo, sem medo de gripe ou outras doenças, nem parecia ela mesma, Susana, a professorinha da 4a séria do colégio Brigadeiro XXIX. Olhava para um vira-lata que também se molhava e não se preocupava com crianças e doenças e até mesmo a morte. Susana se viu momentaneamente naquele cachorro, ali assim, tão livre como ela naquela chuva. Pegar aquele cachorro e levá-lo para casa era uma maneira dela congelar para sempre aquele momento de rebeldia. A chuva parou e Susana voltou para casa. Era feriado. Ela deu duas voltas na chave para tracar novamente a porta, tirou as roupas molhadas e as jogou no tanque, o cachorro molhado ficou na área de serviço. E depois do banho, ela começou a preparar a aula para o dia seguinte.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Falsos verdes
falsas verdades
burgueses
encastelados
nos fins das tardes

dois filhos, três cachorros
renda per capta
quatro carros na garagem
whisky, jantares
todo mundo autoridade

em pleno Brasil
na sua capital
perdeu-se a noção
completa do que é
R-E-A-L-I-D-A-D-E