segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

escreviajar

Deslocamentos se aproximam
da escrita: são a mesma forma
de estar e não estar num lugar.
Sou agora um corpo escrito por
saudades de onde já passei
A viagem acaba
mas continua em mim
Assim como palavras guardadas
num diário de bordo.

As viagens que faço me escrevem

Inverness

People whisper
Children cry
I write and that's fine
The empty bus station
In the way to Liverpool
has no end
Down.
We've watched movies
Talked and fantasized
I wonder how I get to London.
I wonder when
I'll be back home.

An empty pub serves
invisibles stouts and ales.
A young black couple
eat hamburguers.

We acept in silence
the long hours that last
Perhaps, someone is
writing a poem.
The little city remains
Quiet
Offices "to let"
No cars go
Green lights with
No one to go

It seems we're the only people
In the road
Maybe in the world
People here are quite
Locked and safe in their sleep

The neon barber shop
tells me this life
I cannot see is
about to wake up

Are we a dream that
the whole city is having?
Will I be real
when they wake up?

I turn the lights down
And kept a journal
in the backpack
The bus got back to the road.
These tedious lines in the dark
that shake me like
A rocket chair
O pé direito alto
da biblioteca
É para os grandes balões
de pensamento que
saem das pessoas

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

saudade

em alguma ponta atlântica
do outro lado
uma menina
joga para o infinito
recados rabiscados
de saudade

em alguma costa
ao sul
um menino grande
sonha com caravelas
em origamis de guardanapo

Se encontram em algum
poema incompleto
rascunhado
entre dois portos do oceano.







Valsa do Universo

Cada lugar tem o seu ritmo, isso conseguimos perceber e aprender.

É o ritmo do lugar que engravida e dá forma a tudo: arquitetura, comida, calçadas, palmeiras, redes penduradas.

É preciso se demorar um pouco para pegar esse ritmo, nem que seja o suficiente para assoviar.

Quem viaja guarda dentro de si vários ritmos aprendidos.

E, querendo ou não, estamos sempre dançando.
amar alguém é entender seus cheiros fases cores e sorrisos nos olhos

travessias

descobri hoje que as profissões que
já atravessaram o meu querer
(astronauta, bailarina, freira missionária, diplomata)
sem no entanto encontrarem outra margem
são fruto da minha vital vontade
de atravessar o mundo

o amor é atravessar-se do inverso 
no outro que te atravessa
constante

atravessar é nosso hábito mais corriqueiro
porque a travessia é também
o caminhar silencioso de quem pensa
em travessias futuras
é o cantar tímido
do motor do barco


quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A Bailarina

entre um passo e outro, da cozinha para a sala, o pé insistia numa altura inadequada, é possível que se diga, num passo de balé. Um rodopio para alcançar a privada, um pulo para se achar a frente da tv. Seu corpo dançava. Começou de um dia para o outro. Mas só acontecia em casa, quando estava só, no meio da tarde de quartas e sextas. Por vezes, se espantava quando um espelho captasse os movimentos. Era como se não dançasse só, mas para alguém que a observava e que também dançava com ela. Nesses momentos, dava um sorriso tímido, e, se o outro a olhasse mais uma vez, ficava na ponta dos pés, levantava sua saia imaginária e agradecia descendo as costas e levantando as mãos para trás. Conseguia até ouvir os aplausos. Era assim que se retirava do palco. Voltava, silenciosamente a lavar as louças.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

quando tinha dez anos, eu lembro que sonhava meio amarelado. Acho que hoje sonho mais pro azul, às vezes tenho sonhos brancos. Sei que sonho em gêneros narrativos. Já sonhei em comédia romântica, já sonhei filme policial, realismo fantástico, musical, em sitcom com gags e tudo, e com frequência sonho em animação, não tanto o traço (mas já sonhei algumas vezes também), mas a lógica narrativa da animação. Essa noite não lembrei dos meus sonhos. Dormi pouco. Pensei no filme que vi ontem que se chama "About Time" sobre um cara que consegue viajar no tempo. Lembrei que cadernos de anotação são a minha maneira de viajar no tempo. Fui atrás de um deles, por curiosidade, e estava tudo lá; o ano passado inteiro em estudos e compromissos. Num outro achei momentos marcantes recentes. Depois, encontrei uma frase sobre a cor dos meus sonhos.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

só tardiamente percebi que o que me embolava a garganta, o que se recusava a sair no lugar onde, se eu fosse homem, haveria um pomo de adão, o que havia estacionado entre a fala, a água, a fome, o ar. Respirava ofegante, engolia com dificuldade. Até o remédio para má digestão desceu de costas pela garganta. Estava eu e minha avó, olhando a paisagem da janela, no corredor do hospital. Havíamos feito algumas vezes esse mesmo passeio na última semana. Ela continuava a me contar os mesmos fatos, apontava para os mesmos prédios, as mesmas árvores, as mesmas ruas do centro de niterói que eu já conhecia. Foi lá que apareceu o bolo. Não na paisagem repetida pela janela. Mas no momento em que me vi ao lado da minha avó, ouvindo as mesmas repetidas histórias. No momento em que me dei conta, que meu medo maior era que as histórias não mais se repetissem. Um temor que tudo, de repente, virasse passado. Antevia um futuro saudoso que me olhava da janela. Horas depois, chorei.