Continuando essa ego trip, metrô ao meio dia numa quarta-feira. Mais meio da semana impossível, e para completar, não estava nem cheio nem vazio. Entrei. Só tinham dois lugares sobrando que deixei para um senhor sentar primeiro, e depois me sentei ao seu lado. Olhei para os lados e queria saber como estavam as coisas ao meu redor. A impressão era de que a vida seguia igual, sem novidades, pessoas ensimesmadas em suas rotinas como que esperando nada além daquele caminhar interrompido vez ou outra do trem. Olhei e ao olhar para o meu lado direito, bem onde estava aquele senhor que chegou junto comigo, vi o seu imponente relógio digital. Tenho uma mania horrorosa de querer olhar os relógios alheios. Nunca usei relógios, talvez, quando eu era criança e ganhei um relógio que trocava de pulseiras, eu devo ter usado todas as pulseiras pelo menos uma semana. Mas essa é a minha experiência mais próxima de calcular o tempo, nunca fui atleta e por isso, nunca tive recordes a quebrar. Além de que, eu morava com a minha avó, que não tinha e não tem tempo para nada, ou seja, seu tempo nunca acaba. Seu caminhar, suas atividades, sua órbita transita em um tempo diferente do relógio, que, diga-se de passagem, é totalmente arbitrário, imposto. Minha vó não, minha avó nunca se submeteu a esse tempo cronológico e sempre foi no passo que lhe conviesse, o que me fez treinar, criança ansiosa, de que é preciso paciência para esperar alguém tão original. Por isso, me obrigo a calcular o tempo com a minha percepção de tempo e talvez por isso, eu esteja sempre atrasada, mesmo que às vezes eu saiba exatamente quantos minutos passaram
Mas naquela quarta-feira no metrô, eu olhei mais uma vez para aquele relógio alheio. Olhei por curiosidade, para saber a hora. Olhei e me dei conta que não tinha a hora e sim, um cronômetro que marcava 1minuto e 25 segundos. Esse tempo era provavelmente o tempo que o metrô tinha saído de Copacabana. Ou seja, aquele senhor que sentou ao meu lado, zerou o cronometro no momento em que o trem saiu da plataforma. À primeira vista, me assustou ver aqueles milésimos de segundo correndo no visor, fazendo os segundos parecerem lentos, ver como o fluxo do tempo não para e que a vida se escorre nessa rapidez, como numa ampuleta. Depois, fiquei me perguntando, por que aquele senhor de bermudas e havaiana queria cronometrar o tempo, da zona sul aonde quer que seja. Pra quê? Será que lhe interessam problemas matemáticos, ou físicos, aceleração, essas coisas que não penso desde o vestibular? Não parecia.
Já pensei sobre a nossa vida encatracada e essa necessidade de alimentar a máquina na hora certa, passar o cartão para entrar no trabalho, colocar o bilhete na catraca antes da barca sair, olhar a hora e partir para a aula, esperar um pouco e só ir embora quando a catraca marcar exatamente sua jornada diária. Mas colocar uma catraca no pulso e passar a viver em função dela, foi um soco na consciência, e quase um acelerador automático para perceber a vida.
Mas aquele senhor de bermudas provavelmente pensava diferente, parecia que ao saber cada segundo do seu caminhar, se sentia Senhor do tempo e Senhor de si próprio. Como se olhando o relógio e seguindo em frente pudesse controlar cada segundo solto de sua longa vida. Será que ele fazia isso há muito tempo em relógios de ponteiro e cordas, será que foi um hábito que ganhou com a idade, será por algum problema de saúde, controlar o coração, quem sabe? Nessa divagação toda, percebi que ele se incomodava ao me ver olhando para o seu relógio. Como se o seu relógio fosse poder unicamente seu, e mais ninguém poderia controlar o seu tempo.
Tentei disfarçar, mas já tinha virado uma obsessão saber a diferença entre cada estação. Botafogo 4’28”, Largo do Machado 8’46’’e assim, sempre que ele percebia que eu olhava o relógio, colocava-o fora do meu alcance, e fazia os segundos parecerem eternos. Ao chegar na Cinelândia, ele correu e saiu por outra porta, guardando a informação derradeira que só cabia a ele: a odisséia até o centro num dia normal num metrô normal e sua duração normal. E eu atrasei o passo, olhei os relógios malucos da cidade e voltei a perceber o mundo onde o tempo é contado pelas diferentes músicas e pensamentos que passam na minha cabeça
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