quarta-feira, 25 de maio de 2011

Deixe os seus
aforismos
brincarem
lá fora
na rua
com outros
aforismos soltos.

Assim, eles crescem
saudáveis

sexta-feira, 20 de maio de 2011

ESTRANHO

Ser estranho não é uma condição, mas um estado, uma passagem, como uma rua escura em que você corre para passar rápido por ela. Afinal, o estranho é lento. Ele ainda está se adaptando e isso toma tempo. O estranho passa e volta. Você sobe no carrossel da estranheza e depois de um tempo ele para de rodar. Mas o estranho não é o outro, e sim, nós.

De estranho para estranho, nos cumprimentamos como iguais.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Dia molhado
me encho
de folhas
por todos
os lados

sábado, 14 de maio de 2011

πάντα ῥεῖ


Acordei com o seguinte pensamento:sístole e diástole, sístole e diástole. A princípio, esse pensamento me transtornou: por que será que se acorda pensando uma coisa dessas?
Por trazer, ao abrir dos olhos, elementos tão naturais esse pensar me parecia a mais estranha das ideias. Não satisfeito, o pensamento não foi embora e naquele instante-eternidade entre acordar e levantar continuei a pensar como se só existisse isso no mundo: sístole, diástole. Repeti para a minha cabeça e aos poucos eu dizia para o meu corpo a ordem do dia. E assim foi que eu comecei a acalmar, pensei que tudo flui, o sangue, o sono, as vontades, as manhãs. "Tudo é um fogo acendendo e apagando em medidas", sístole e diástole, sístole e diástole. Levantei calma e o meu dia fluiu tranquilo.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Aos nossos discos


Há algum tempo eu tento juntar os vinis espalhados pelas casas da família, pois, como é sabido, eu curto uma nostalgia, já na adolescência, eu escrevia diário para poder ler sobre o dia anterior com saudade. Quanto aos discos, o problema era o seguinte: minha avó querida estava com a vitrola e eu nunca conseguiria tirar qualquer coisa dela e os discos do meu pai, que eram a maioria, estavam em alguma casa dele que eu não sabia qual era. A vó Dorinha depois de um tempo acabou me devolvendo a vitrola, os discos do meu pai eu consegui pegar numa faxina logo após a obra na casa e por fim, ganhei um amplificador novo do meu padrinho para poder aproveitar o som. Enfim, ontem, dia das mães, juntei tudo para um final feliz. Bom, final? Na verdade, dei uma paradinha agora, mas estou no meio de uma grande bagunça e vários discos para guardar.
É que aquele aparelho que eu ganhei no meu aniversário de 10 anos para ouvir meus discos agora parece um imenso trambolho e para arrumar lugar no quarto tive que ficar rearrumando os livros, os DVDs, o aparellho de DVD, etc. A coleção dos Pensadores, por exemplo, voltou para o armário. E os discos, que se chamavam álbuns, provavelmente por conta disso, são grandes, de uma época em que as estantes tinham espaço e que as salas tinham estantes. Os discos da minha mãe estavam escondidos em cima do armário, muito limpos, foi fácil arrumar e tocar. Os meus discos estavam na casa da minha avó e era tanta porcaria que trouxe muito poucos, afinal, ninguém passou a infância nos anos 80 impunemente. Melhor, muito melhor mesmo era pegar os disco da vó: música cubana, trilhas instrumentais de cinema, robertos e erasmos. Os discos do meu pai só consegui pegar hoje. E como eles foram salvos das traças e estavam sem capas, me deram um pouco mais de trabalho. Nada que água, sabão e flanelas não estejam dando conta. Até agora, já consegui colocar a metade para tocar, nem que seja pelo menos uma faixa.
Eu escuto e vejo como o tempo passava diferente nessa época em que se via o disco rodar e o tamanho das faixas marcadas na bolacha. A música pesava nas mãos. Você fica mais de peito aberto com a obra como um todo, a fruição era e até hoje é diferente. Eu tenho a discografia do Caetano no meu computador e perdi a conta de quantas vezes eu já escutei as minhas favoritas, até porque elas estão também no meu celular. Mas só hoje eu consegui ouvir o "Muito" inteiro, sem pular as faixas. Só hoje também, eu entendi o que meu pai sempre falou sobre o barato de "Ca-já", porque hoje eu ouvi a música pela casa e não olhando para uma tela.
É curioso pensar que esses discos da minha vó, meus, da minha mãe e do meu pai que eu juntei assim, de repente, coisa que ficou separada por anos, cada um na sua, sem o menor nexo ou familiaridade estão dividindo a mesma estante sem nenhum pudor, promiscuidade total: Jon Secada e Ravel, Daniela Mercury e Lô, Supertramp e Trem da alegria.
Mas o melhor de tudo foi ver que como num jogo da memória, os iguais foram aparecendo. Acho que meus pais depois de se separarem acabaram se recapitalizando dos discos que ficaram com o outro e eu agora tenho dois "clube da esquina", dois "álibi" da bethânia, dois "dangerous" do michael jackson, dois "gerais" e por aí vai. Assim eu vejo que eles realmente tinham algumas coisas em comum, essas identidades, que as pessoas vêem em mim, vez ou outra, e eu desconheço. Agora eu tenho em dobro esses espelhos, para ver e ouvir sempre que eu quiser.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

fazer poemas
pra quê?
pra quem?
correr em círculos
para formar o infinito
trombar com os outros
para dançar ciranda
tirar o chapéu
para cumprimentar a vida

fazer
a penas
inúteis
poemas

terça-feira, 3 de maio de 2011

Essas distantes pessoas queridas

Ontem encontrei coisas que abomino: a superficialidade, o se achar melhor do que os outros, a intolerância, o preconceito, a crença de que só o dinheiro e o consumo ostensivo podem geram prazer, o lixo da indústria cultural como único bem imaterial. Estou irritada e triste até agora porque essas coisas que abomino, encontrei em pessoas queridas, que só estavam um pouco afastadas. Este texto é como um daqueles que eu escrevia em diários de anos atrás, escrevo para entender, desabafar e esquecer.
Não sei o que está havendo com o mundo e como indivíduos assim, que eu conheço desde sempre, que eram crianças amorosas e adolescentes alegres, viraram adultos tão pouco admiráveis. Que caminhos tomamos para em 8 anos seguirmos trajetórias e escolhas tão diferentes. Chegando em casa sem resposta e sem sono abri o livro que tinha acabado de chegar pelo correio, afinal, estava arrasada e poucas coisas me dão tanto prazer quanto abrir um livro novo que há tanto tempo eu quero ler. O livro é "Diferença e repetição" de Deleuze e, assim, comecei a desfrutar da minha noite.
Logo na introdução está lá: "se a repetição existe, ela exprime, ao mesmo tempo, uma singularidade contra o geral, uma universalidade contra o particular, um notável contra o ordinário, uma instantaneidade contra a variação, uma eternidade contra a permanência. Sob todos os aspectos, a repetição é a transgressão." A repetição que sempre foi um barato meu, uma coisa que eu curtia sem saber muito com quem falar, fiquei paralisada por aquela sentença. No livro, Deleuze associa a diferença a generalidades, enquanto a repetição é singularidade.
Pensei nessas distantes pessoas queridas e em como tudo o que elas falam, prezam e desejam está muito mais no âmbito do geral que do singular. A minha bicicleta, por exemplo, representa pra mim a forma como eu quero passar pelo mundo, devagar, sentindo a brisa nos cabelos, olhando a paisagem e contando apenas com as minhas pernas. É uma opção singular, enquanto no geral, valorativamente, este meio de transporte não chega nem perto do ar condicionado do carro de vidros escuros fechados.
Poderia ficar arrumando mais algumas explicações ou exemplos, falar sobre uma certa nostalgia do transcendente que quando não é suprida pela obra de arte, acaba encontrando outros caminhos como o fanatismo religioso ou a intolerância que tenta eliminar a diferença, tudo em busca de uma pureza que já não é possível no mundo de hoje. Mas talvez seja melhor só deixar pra lá, ficar quieta, passear de bicicleta por aí recitando para mim mesma algum poema de cor. Já que "a cabeça é o órgão das trocas, mas o coração é o órgão amoroso da repetição".