quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Linguagem de aproximação


Assisti a "Invictus" apenas com uma informação: é o novo filme do Clint Eastwood e isso bastou para que eu fosse ao cinema. Até agora não sei o que a crítica diz, não sei a sua repercussão, ou seja, estou a escrever às cegas. “Invictus” se passa na África do Sul de um Mandela recém-eleito em 1994. Contido e correto, Morgan Freeman como Mandela nos é apresentado num filme que não é exatamente sobre o grande líder, como são normalmente os filmes sobre grandes líderes e seus feitos. O filme exalta a sua figura, é claro, mas consegue fazê-la, além de abordar apartheid e diferenças, de uma maneira muito original, através apenas de um episódio, de um esporte.
Tenho um roteiro, aliás, um dos primeiros roteiros que escrevi, sobre como o futebol é uma linguagem de aproximação, como esse esporte/paixão consegue comunicar pessoas, a princípio, tão estanques. Na minha história, um avô e seu neto se aproximam para juntos assistirem ao jogo do Flamengo (claro): o menino tímido, passa a entender, assistir e gostar de futebol apenas para estar próximo do avô, antes, inatingível. Invictus, no fundo, fala da mesma linguagem de aproximação, só que em grandes proporções: um esporte (rúgbi), um time e um presidente conseguem ajudar na reunião de um país apartado. No filme, o Rúgbi, esporte da elite branca da África do Sul, que sempre foi refutado pela maioria da população por representar a dominação, passa a ser incentivado por Mandela, como uma forma de aproximar as pessoas. Porque, afinal, somos iguais e nos emocionamos profundamente quando homens, através de um jogo lúdico, passam a representar a idéia de nação. E talvez por isso o filme tenha me emocionado o tempo todo, porque me identifico demais com o seu mote central. O personagem principal também ajuda e muito a emocionar por sua integridade e sabedoria para viver entre os homens, logo ele, que por quase 30 anos de sua vida esteve preso, de certa maneira “expulso” da sociedade.
Clint, em seus últimos filmes, tem retratado esse aproximar de apartados. Foi assim claramente em Gran Torino, onde um ex-militar que lutou na guerra da Coréia passa a conviver com os coreanos anos depois em seu próprio país. Foi também nos dois filmes que fez, na verdade, complementares, sobre a Segunda Guerra, “Cartas de Iwo Jima” e “A Conquista da Honra”, sendo eles dois lados da mesma moeda. Ou como em Menina de Ouro que treinador e boxeadora, que pareciam impossíveis de se aproximar, com a intervenção do mesmo Morgan Freeman, se unem. Em todos esses filmes, mesmo com a aproximação, um certo antagonismo continua presente, seja representado pela Guerra, seja pelo confronto de gangues, ou pelas batalhas travadas nos estádios e ringues. Mas em Invictus, esse reconhecimento no outro como igual e migração para o mesmo lado é central e tocante. Talvez por ser uma história real, e não uma que se passa em Pandora. Talvez por unir de uma só vez o triunfo de um homem, uma nação e um time, e do “Bem”, afinal, é cinema americano em seu melhor estilo.
Não sei, mas talvez por apresentar um esporte tão alheio a nossa cultura como o Rúgbi, também nós sentimos essa migração de leigos para entusiastas ao longo do filme. É provável que essa identificação provoque uma aproximação com o filme, com a uma noção de Humanidade embutida nele, irresistível e comovente, e saímos convencidos de que somos todos iguais nessa sala escura e apartada do mundo.

2 comentários:

  1. Saber que Clint assina a direção já é realmente um ótimo motivo pra ir ao cine.

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  2. Saber que Clint assina a direção já é realmente um ótimo motivo para ir ao cine.

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