segunda-feira, 1 de junho de 2009

Os sinos dobram às 6 da tarde

Adoro morar perto de uma igreja católica. Não porque são bonitas ou me dão paz ou qualquer outro motivo parecido. Gosto de estar perto delas porque às seis horas de tarde elas tocam o sino incessantemente lembrando que são seis horas. Sempre me encantei com a beleza de rituais e esse ding dong de seis horas da tarde me lembra que não estamos sozinhos nesse mundo, vivendo apenas as nossas vidas. É como se fosse um grito do mundo para mim, me dizendo que “a verdade está lá fora”, de que é preciso sair de casa e olhar um pouco ao nosso redor.
Quando eu era criança, minha bisavó, hoje centenária, costumava se retirar no quarto, sentar na cadeira de balanço e ouvir no rádio a “Ave-Maria”. Eu não fazia idéia do que era aquilo, apenas me lembro que achava muito sério a pessoa ficar quieta no escuro do quarto ouvindo o rádio, e rezando pelas pessoas. Lembro que ficava um silêncio em casa, em respeito àquele momento solene. Eu sempre passava correndo pela porta do quarto dela nesses momentos. Tinha medo que um dia ela me fizesse entrar e ficar naquela solenidade escura com ela. Tinha medo do escuro e tinha também medo porque algumas coisas que eu não compreendia estavam naquele quarto com ela. Tinha medo, mas ficava sempre fascinada por aquilo, passava correndo pela porta e via a sua sombra se balançando, mas sempre passava pela porta e olhava.
O café da tarde era sempre depois desse momento sagrado e sentávamos todos à mesa, já resguardados pela oração da matriarca. Hoje ainda nos sentamos à mesa por volta das seis da tarde, minha vózinha ainda está conosco e sempre fala “chega chega chega” assim que começamos a servir o café, mas ela não ouve mais a Ave-Maria, nem fica sozinha rezando no quarto. Acho que agora ela é quem tem medo de ficar sozinha num quarto escuro. Aquela voz catedrática que vinha do rádio no canto do quarto está muda. O que mais terá emudecido nesses 20 anos? Só nesses momentos em que os sinos dobram aqui perto de casa é que lembro que às seis horas se fazia silêncio, se rezava baixinho e se comia o pão agradecido e feliz, certos de que há mistérios dos quais não conhecemos e nunca saberemos ao certo.

Um comentário:

  1. Imaginei uma menininha correndo e a imagem bela dessa avó no canto do quarto,lindo.
    Ouvi agora pela primeira vez os sinos das seis da tarde e fico feliz por me lembra que há o lá fora, as vezes me esqueço.

    ResponderExcluir