quinta-feira, 28 de maio de 2009

Cinema, romantismo e realidade

Essa semana eu vi uns filmes pesadões, estilo prozac, que são lindos, fazem bem, mas vêm acompanhados de uma tristeza, diegética e extra diegética que muitas vezes te derrubam de sua posição confortável da sala de cinema. Os filmes Gran Torino e O casamento de Rachel fizeram isso comigo. Poucas vezes o cinema americano me fez pensar tanto sobre o mundo, seus rumos e suas/nossas pequenas tragédias.
No entanto, toda semana tenho aula sobre musicais, que tenta me mostrar que essa moeda chamada mundo tem dois lados, e muitas vezes me faz recobrar a fé na humanidade, cantarolando a canção final de cada filme. Confesso que musicais muitas vezes funcionam melhor que religião para me colocarem em estado de graça. Como assistir a O Casamento do Meu Melhor Amigo ou Vamos Dançar sendo minimamente romântico e não dar um suspiro profundo e um sorriso para o horizonte? Os problemas só começam depois desse suspiro, desse sorriso e voltamos para o mundo real (ou a sociedade de controle, como disse uma amiga minha foucaultiana).
Eu sempre gostei desse tipo de filme que te suspende da realidade, te coloca por alguns minutos fora de si, uma espécie de purificação das mazelas que encontramos no dia-a-dia. Tenho noção de que aliena, de que esquece o mendigo que pede esmola na porta do cinema ou das crianças que assaltam na saída, mas esse é o objetivo, te colocar por alguns momentos longe disso tudo. Longe, tão longe, tão absorta que você é capaz de acreditar que tudo aquilo pode ser verdade. Como canta Fred Astaire no fim de Cinderela em Paris “He loves and she loves so why can’t you love and I love too” coerente e convincente. Todo esse mundo de escapismo que conscientemente parece uma bobagem, um programa inofensivo depois dessas tardes lindíssimas de outono no Rio, são um verdadeiro veneno, e não um elixir para encarar a realidade. Essas bobagens românticas mexem tão profundamente com as nossas emoções, que passam a ser algo desejável e possível no universo feminino.
Romantismo, cinema e realidade, sempre foi uma questão para mim, pelo menos nos meus diários, acredito que o romantismo no cinema moldou muito da minha forma de agir, pensar e principalmente, esperar da vida. A verdade é que se cria um choque de ordem ao viver a realidade ao mesmo tempo em que estamos tão acostumadas aqueles códigos que assistimos no cinema, e desde criança, que nos levam a acreditar que o amor está em cada esquina, puro, indolor e arrebatador. Nem falo nos “filmes de princesas”, mas Tarzan da Disney, por exemplo, nos leva a acreditar num estatuto de amor e de ideal de vida, que ninguém espera ver muito num filme que gira em torno de macacos. Love is in the air, gritam e quando olhamos ao redor, só vemos pessoas, e muitas vezes as interpretações erradas ou tendenciosas levam a verdadeiras catástrofes, tendo a destruição do amor-próprio como a mais leve delas.
Pôr-do-sol, boa conversa, e, insisto, essas tardes de outono, elementos desse universo romântico, predominantemente feminino, levam pessoas iniciadas nesses códigos a interpretarem esses eventos como índices de amor verdadeiro. Aquele que o Fred Astaire canta e dança para a Ginger Rogers, aquele que a Julia Roberts já teve às dezenas, aquele que você insiste em buscar no seu presente, passado ou futuro.
Buscam-se esses signos cinematográficos na vida porque se deseja a felicidade mostrada na tela, como uma promessa de vida eterna. E as mulheres repetem, muitas vezes com as amigas, esse mantra do simbólico romântico como ideal de vida. Repetem porque “a felicidade é o desejo de repetição” como diz Kundera. Pergunto, será essa promessa de salvação romântica apenas um mito? Não será o amor romântico possível em nenhum espaço/tempo da nossa realidade?
Infelizmente não sei responder a essas questões. Acontece que não tenho a imparcialidade necessária para seguir investigando, pois sofro de um romantismo incurável alimentado pelo cinema americano, pela música, pela literatura, e que se retroalimenta no universo feminino. Só no universo feminino mesmo para se acreditar nessas coisas... por isso Lacan diz que a mulher não existe. Essas mulheres não existem mesmo....

PS: para as minhas amigas lindas e o universo feminino que construímos juntas

Um comentário:

  1. Fico muito feliz por ter alguém perto de mim com tamanha sensibilidade. Por compreender que nossos pequenos dramas não se banalizam em detrimento de uma tragédia muito maior. E por entender que essa fé inabalável no amor e na felicidade nos mantém vivos. Só é possível viver se acreditarmos no sorriso de Gene Kelly, na música que diz que estamos no paraíso e em Fred Astaire rodopiando pelo espaço como se aquilo fosse tão simples que qualquer um poderia fazê-lo. E só é possível se sentir vivo se questionarmos tudo isso, nos indagarmos, mobilizar essa instância que a Filosofia tenta há seculos explicar, que é o pensamento. Não há respostas fáceis para dúvidas tão complexas. Há um silêncio. Um silêncio tenebroso como o dos heróis trágicos que não mais se sustentavam com as certezas do mito. Esse é o preço que temos de pagar, e ele é bem alto. Mas eu ainda prefiro assim. Obrigada por compartilhar comigo esse universo.

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