Nasci na época errada.
Deve ser essa preguiça imensa
que atrasou a minha vinda.
Cheguei num bonito dia de inverno
dum ano tarde demais.
Um dia o médico me examinou,
percebeu que o coração batia diferente
e diagnosticou: é um
prolapxo da válvula mitral.
um nome bonito pra dizer
que o coração batia em descompasso:
PRO-LA-PXO.
São duas batidas e um suspiro
nunca no mesmo ritmo,
como falar essa palavra
cada hora de um jeito.
O coração fora da sua época
bate nostálgico
procurando seu próprio som
às vezes encontra rima
em outras acha o tema,
entre tentativa e erro
amassa e desamassa
sem nunca achar o tom.
terça-feira, 24 de abril de 2012
domingo, 22 de abril de 2012
clichês
eu queria um diário bonito, com um coração e um cadeado. Contaria meus segredos de menina, desenharia nomes, passaria um bom tempo olhando para o teto e construindo abismos acima da cabeça. Eu queria um mustang vermelho 87, jeans, óculos escuros, uma estrada longa, uma rádio tocando rock ruim da década de 70. E um batom vermelho, argolas, um tomara que caia rodado, um coque e a carteira embaixo do braço, olhos bem pintados. Colo todas essas imagens nas minhas paredes vazias. Há espaço. Olho bem devagar os clichês da minha alma. Recorto mais um: por-do-sol, goiabeira, pé descalço, cavalo no portão e um violão tocando toada. Banho de rio: recorta e cola. Banho de mar: recorta e cola. Bicicletas no aterro. Dormideiras fechando. Beijo de esquimó.
domingo, 15 de abril de 2012
Rosebud
Quero lançar um filme nos anos 40 sobre a minha vida. Dolores del Rio será eu. Uma história nostálgica que se passa no Rio atual: frescobol e biquini tomara que caia, mesas de bar, bicicletas, funk, soul, samba e forró num musical inédito.
Começa com um número de sapateado na lapa, sem instrumentos, sem canto, só vestido vermelho e sandália prata. Nada de poças d'água, a chuva é fina, é outono. Sonho acordado. Eu aperto os meus olhos fechados e relaxo. Volto a escrever o texto e tomar o chá de capim-limão. Olho a janela e chove fino, é outono. E rabisco um nome no papel.
sexta-feira, 13 de abril de 2012
A paixão existe em planos detalhes. Metonímica. Como as melhores cenas de um filme que vão parar no youtube para serem vistas indefinidamente, cheias de links relacionados num looping infinito. Os sentidos são sentidos como nunca e a mente monta as melhores sequências, tanto de memórias vividas quanto imaginadas. Essas cenas prontas repetem na cabeça, geram prazer, se retroalimentam em seu próprio repertório, para mais uma vez repetir e encontrar prazer. A felicidade é o desejo de repetição, eu li quando era adolescente e entendi sem nunca ter me apaixonado. Se recuperar da paixão é obrigar o olhar, o ouvido, a pele a voltar ao plano geral, aos tempos mortos, e tentar criar um distanciamento com a nossa própria narrativa. Mais ainda, interromper o desejo de repetição, ou, na melhor das hipóteses, reconfigurá-lo. E por isso é tão difícil: o close é um desejo permanente dos nossos sentidos. Dizer não para esse apelo é quase negar a nossa própria existência.
domingo, 1 de abril de 2012
sonoridades
Em 20 tecnologias diferentes
nada acontece.
Nenhuma delas.
NADA.
Nem um bilhetinho idiota
deixado por engano.
Miramos máquinas
como quem espera algum
milagre sonoro:
dinheiro eu não sei, mas
barulhinhos eletrônicos
trazem felicidades.
Na verdade,
barulho e felicidade
sempre tiveram afinidade,
buzina, carteiro,
assovio, campainha.
O portão barulhento se abre
não mais que o sorriso
da moça sentada no sofá.
Sem percebermos, sonoridades
são viradas presentes
na história da gente.
Deus ex machina
restabelecendo a ordem
é você verdinho
piscando no gtalk.
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