terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ex isto


Sempre me considerei uma pessoa que gosta de cinema narrativo e pronto. Mas percebo que cada vez mais isso vem mudando, e ainda bem, tudo flui, foi um processo de anos mas eu desnarrativei as minhas expectativas (cinematográficas). Então foi uma grata surpresa para mim curtir, verbo usado com bastante frequência ultimamente, o filme Ex isto do Cao Guimarães inspirado no livro Catatau de Paulo Lemiski. O filme propõe a seguinte jornada onírica “e se Descartes tivesse vindo com Nassau para o Brasil”. A partir daí, o universo fílmico é construído através de três elemento: o nosso personagem principal, Descartes (um João Miguel inspirado), o universo da banda sonora que se alterna entre narração em off com poemas do Leminski e som direto, e os ambientes pelos quais a personagem percorre. O que achei bonito dessa suposição é exatamente porque Descartes, apesar de ser sempre associado à lógica, ao plano cartesiano e a coisas do tipo, em sua filosofia também aproveitou-se de uma suposição para pensar a vida “e se tudo isso que vivemos não é um sonho”. Na viagem onírica de Cao Guimarães (ou será do Leminski), Descartes vai se despindo, em meio a paisagens paradisíacas ou cidades caóticas, pouco a pouco até se entregar completamente ao sonho e à poesia. E o espectador se encanta com o desencanto da lógica nos trópicos, rumo a um renascimento, rebatizado pelo poeta polaco. Alguns vão dizer que o filme é lento, outros que as imagens não possuem uma unidade estética. Para mim, o filme acerta ao propor uma desconstrução de uma personagem tão conhecida, o autor do Tratado das Paixões, que aqui, abaixo do Equador, seria outro. Aliás, com a poesia leminskiana que flui e encanta e, em alguns momentos, se repete como uma espécie de mantra, quem há de ser o mesmo de sempre? O penso, logo existo, dá lugar a um bem-vindo ex isto.

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