
Sabe aquelas crianças de filme iraniano, que estão muito felizes, mas que você, espectador, sabe que vai acontecer alguma desgraça? Então, era assim que eu me sentia com o convite do novo filme do Michael Jackson nas mãos. Era como se eu me assistisse de longe e tivesse medo de perder o convite a qualquer momento, com essa nova onda de violência na cidade. Felizmente, eu estive a salvo dessa doideira toda e cheguei com segurança ao cinema.
Bom, que eu sou fã do Michael Jackson, isso não é novidade para ninguém que me conhece. Lembro que um dos primeiros presentes que pedi na vida foi um disco dele, o BAD e meu tio me deu a fita cassete, nada mais anos 80 que ouvir esta fita enquanto eu dançava os meu passos de jazz. O engraçado é que dias antes de eu ganhar o convite eu revi este videoclipe e fiquei impressionada com a forma que ele dançava, 22 anos depois, imagine então o impacto que ele causou naquela menina de 4 anos que pediu o disco e que adorava dançar.
Durante o filme, eu me sentia aquela menina, não porque o filme era muito bom, mas porque ele me fez lembrar dela e de como era bom ser leve e sair dançando a todos aqueles hits maravilhosos que ele cantou como ninguém. This is it é um filme para fãs e totalmente consciente das suas limitações, ao contrário da sua campanha de marketing que o torna muito maior do que ele pode ser. Portanto, não vá ao cinema esperando o melhor dos filmes, ou o documentário definitivo sobre MJ, não é nem de perto isso. É simplesmente um filme sobre o show que ele iria fazer em Londres e, conforme uma entrevista mostrada no filme, seria a sua despedida dos palcos. This is it, por ironia do destino, acabou sendo a real despedida do artista e também agora pode ser visto em todo mundo e não apenas em Londres, onde seriam os seus shows. É o cinema democratizando os popstars...
Mas voltando ao filme, o interessante é que podemos ver o quanto de vitalidade Michael Jackson, apesar de toda a sua bizarrice, esbanjava aos 50 anos. Ele deslizava suas coreografias características com muita elegância, como fazia no seu próprio (outro) estilo e igualmente leve um Fred Astaire já coroa. E Jackson não apenas dança, faz as coreografias, como escreveu as músicas e acertas seus arranjos de acordo com as necessidades do corpo para sair dançando. O filme mostra como MJ coordenava todos os detalhes daquele que seria o seu último show e não apenas um personagem estranho de uma revista de fofoca: This is it mostra o gênio que parecia adormecido depois de tantos anos sem compor e esse é o seu mérito. Mostra também a contagiante música de Michael que era dançada pela platéia miúda que podia assistir aos ensaios e como seria bom assistir àquele show.
Nas três primeiras músicas há um certo vestígio de decupagem, uma filmagem que parece ter sido pensadas antes, e o resultado é bem interessante com multitelas e Jackson para todas as direções. Já do meio para o final, as apresentações não estão tão filmáveis assim, e algumas vezes, parece que ele apenas se aquecia, indicando uma certa forçação de barra de se querer montar um filme tão longo com tão pouco material. A qualidade das imagens em alguns momentos é péssima, o que prova o quanto é um filme mais preocupado em mostrar, que em mostrar bem feito, algo bem diferente do estilo do chamado “Rei do pop” com suas espetaculares e poucas apresentações durante sua carreira.
This is it não tem a surpreendente qualidade dos videoclipes de Jackson, não é um espetáculo de show, mas é um importante documento, um registro sobre os últimos meses de um grande artista e como tal, vale ser assistido. O filme não questiona nada, não repensa nada sobre a carreira de MJ, não mostra nenhuma entrevista ou qualquer imagem sobre nada além do show que nunca aconteceu; provavelmente, isso será explorado por outros produtos, que renderão alguns outros milhões à família Jackson. Mas para quem quer matar saudades do tempo em que música pop era de excelente qualidade, vendia muitos discos e ainda tocava nas rádios, é uma ótima pedida. Veja e saia do cinema cantando “Heal the world” achando que talvez este mundo ainda tenha jeito. Afinal, nada de ruim aconteceu comigo enquanto eu seguia com o meu convite dourado para o cinema.